2010/03/03

Breve divagação sobre os royalties

Quem não reparou, pode notar: há um quê de não engajamento na luta pela manutenção do pagamento dos royalties a Campos, pela Petrobras, por parte da população. E não é muito difícil encontrar a resposta para esse desinteresse.

Primeiro por que ninguém sabe, efetivamente, em quais setores e de que forma são (e foram até agora) gastos os muitos e muitos milhões recebidos a título de indenização por parte do governo Federal. Trata-se de uma incógnita, uma “caixa-preta” nunca encontrada, que sempre gerou indagações e divagações as mais diversas. Não basta bater no peito, falar de injustiças e “convocar” o povo para a praça sem dizer abertamente o que está fazendo em prol dele com os recursos que querem nos tirar. Obviamente, o ideal seria a prefeita de Campos, Rosângela Matheus, aproveitar a grande campanha publicitária ora veiculada para apresentar números, dados; para mostrar de que maneira essa verba é pulverizada no município.

Especificamente em Campos, torna-se um verdadeiro exercício de contorcionismo intelectual e de expressão tentar explicar como um município há décadas aquinhoado com significativas somas pela extração e produção de petróleo na plataforma continental ainda continua com graves problemas de distribuição de água e coleta de esgoto; com iluminação pública precária; com o setor de saúde sem atender à parcela da população (possivelmente a maior parte) que realmente dele necessita e alvo constante de reclamações; com um trânsito desordenado; com uma área de educação que ainda apresenta números de avaliação aquém do esperado; com um mercado de trabalho afunilado; com uma rede de transporte público que lembra o início do século passado; com redes de águas pluviais ineficientes; com uma agricultura cuja produção é praticamente de subsistência; com ruas esburacadas, intransitáveis em determinados bairros e sem asfaltamento mesmo na área central; enfim – sobrevivendo paralelamente a qualquer planejamento urbano.

Um segundo ponto do desinteresse da população é que, exceção para os setores produtivos, ela ainda não avaliou (e certamente não teria respostas para tal), por que os governos não exerceram, ao longo dos anos, políticas concretas que fizessem Campos de fato não depender diretamente dos royalties do petróleo. O que se viu foram poucas tentativas, com acanhado êxito, de se conseguir novas indústrias, ao lado de desencontros políticos da prefeitura com o governo do Estado e o Federal. Não foi estudada, e consequentemente não descoberta, uma real tendência de desenvolvimento, objetivo, um alicerce, com a sociedade organizada, que pudesse fazer Campos dos Goytacazes, dos grandes guerreiros, respirar aliviada neste momento de aflição. Com efeito, e o perigo mora aqui, a população ainda não avaliou a bomba relógio que a prefeitura tem em mãos; não avaliou o caos a curto prazo que a perda dos recursos acarretará.

Não ocupem os ouvidos de São Salvador, por que ninguém pode dizer que foi apanhado “de calças curtas”. Há anos estudos técnicos apontam para o fim da exploração de petróleo na região, não obstante divergências de tempo e pelas novas descobertas da Petrobrás (o pré-sal, ao que parece, colocou uma pá de cal na mente dos políticos sobre essa hipótese), e mais recentemente (porém nem tanto assim) surgiram rumores de movimentação política para uma nova divisão do bolo dos royalties. Ô Ibsen, a idéia não era do Delfin? Deixar o bolo crescer para depois dividir? Larga d’eu...

Como efeito prático, a movimentação “convocada” pela prefeitura para a praça São Salvador, na tarde desta quinta-feira, quatro de março, terá tanto efeito como o espocar de um morteiro de três tiros (com os quais se comemoram as vitórias do Flamengo) em meio à guerra do Iraque. Certamente num microfone disputadíssimo, visto que teremos eleições depois da copa do mundo de futebol, políticos e pretensos falarão para eles mesmos e para um povo que nada pode fazer e tem sede de outras respostas, algo que deveriam trombetear nos ouvidos de Brasília, e sem a síndrome do interior. Acho difícil até mesmo os jornais do Rio publicarem uma única linha sobre o evento (muito embora espero estar equivocado). O jogo político, como se diz popularmente, era “muito mais embaixo”.

O pagamento de royalties tem caráter indenizatório, justamente pela exploração e produção de petróleo. Portanto, não concordo que a má ou ilegal utilização dos recursos seja justificativa plausível para uma virada de mesa espetacular. Ora, se o sofá da sala está pegando fogo, derruba-se a casa? O que deve ocorrer é uma fiscalização extremamente rigorosa, não viciada e constante sobre a aplicação dos recursos, com a devida punição para aqueles que, contrariando a ordem do show, põem o coelho na cartola. Com a aprovação da emenda do Ibsen Pinheiro (e não se esqueçam do Humberto Souto), que fatalmente deverá ocorrer, só com mágica mesmo Campos não sucumbiria.

A alternativa seria o presidente Lula vetar a emenda, como espera o governador Sérgio Cabral, seu aliado de todas as horas, e se fazer uma grande movimentação de acompanhamento em novo trâmite no Congresso. Ou mesmo alguns ajustes na emenda. No primeiro caso, Cabral sairia fortalecido de todo o embate, mas o momento não é de se pensar em ganhos políticos com a questão. Não é mesmo?

De qualquer forma, caso Campos (e mesmo o Estado) saia dessa, será de bom tom um mea culpa dos políticos envolvidos: aí gente, foi “mals” aí. Vamos agora fazer a coisa certa, vocês vão ver.

Sonhar não custa nada.

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