CAMPOS
Já ouvi de um tudo falar, por muitas vezes,
de campos valentes, gente brava e feroz.
Histórias de minha avó, cujo céu parava a espiar
e me faziam voar janela a fora, entraram no sangue
como a tinta deixa o pincel.
Reais como o cheiro de terra úmida e as manhãs
claras e floridas
da chácara da minha infância.
Tais como o sol atravessava plantas e mentes;
café moído efuso, pisar nas frutas maduras,
subir muros e árvores,
ter nas mãos minha cidade criança.
Ter sido Cazuza de Viriato poucos anos à frente,
ter tido meus próprios índios e soldados,
melhor destino fiz então no momento...
Também vi de um tudo, por muitas vezes.
Do molde, cópias malfeitas,
do lápis, traços famélicos;
do barro em que pisei nas ruas, nuas,
deixei pegadas pregadas
na alma.
Só resposta tive da relva,
que devolve em arte servida toda a dor
sofrida, sem revolta.
De início araram a terra como quem disseca
um moribundo,
sugaram as feridas,
atolaram os gritos em alvinos quinhões...
Em todas as portas, todas as letras mortas,
toda a beleza da filha que o pai não toca.
Em todas as bocas, todas palavras tortas,
toda falsa leveza que não mais importa.
A fila sob os estalos segue rasgando a escuridão,
mas a luz resiste e insiste.
No alto, o fedor arrogante em borbotão,
enquanto o aroma do chá persiste.
II
De novos caminhos também ouvi dizerem
dos personagens... flutuavam estáticos
como as bandeirolas de Volpi na história.
A vantagem de sair na frente
cegava sempre os carreteiros, que deixavam na estrada
marmita, suor e botão.
Por isso moeram teus ossos
como quem extrai fruta verde sem fome,
quem xinga sem dizer nome
e quem faz do já ter tido algo a mais para contar.
E só.
Engoli teu pó de terra roxa,
onde esperma e óvulo se confundem,
teu cheiro de vento nordeste e fuligem,
etérea eterna escultura.
Sob o manto da cultura
li e reli teus pensamentos,
bebi do amálgama que me moldou
a adolescência,
percorri teu corpo
dias e noites a fio da navalha,
sem feridas.
Mesclagem no tacho de sangue e mel,
ferve a essência do que parece fel
mas que encanta por ser rotina
não pensada.
Rotina sem temor,
absorvida nos passos de tua biografia
mesmo ainda não contada,
sem rimar amor e dor,
carcomida pelos olhos cerrados,
pelas mentiras, arrogância ao ar aberto,
pelas bocas lacradas,
sem frescor.
Teus falsos meninos de engenho
pisam hoje em excrementos
cujos próprios elementos toda a família
cultuou.
Perdidos na estrada, esculturas de vidro
congeladas, arrotam o que pensam
pensar, sem pensamento.
III
Dos teus profetas perdi todas
as palavras,
de rubras a encarnadas,
que deixaram esperança
em vão.
Mas, forma ou outra,
cá estou,
te olho os olhos embotados
e te sopro o sopro de quem espera,
ainda e sempre,
algo novo,
diferente, na próxima curva
do teu rio.
Te sopro o sopro como quem busca
inflar as velas, inflando as veias.
Te olho como quem espera o próximo domingo,
para ver o vestido mais
bonito
da mulher que te encarna.
Te sinto como quem deseja
que o infante mais galante
venha, enfim,
te desposar.
Tenho hoje que te ver assim,
somente por hoje, a cada dia,
para ver onde sua vida me vai dar.
Que sejas um dia por fim
amante do tempo,
e que a cada encontro
se renovem tesão e sentimento,
tempero novo em cada enredo
da tua história.
2010/03/29
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário