2014/03/31

Alguém se reconhece?

COLUNA DA REVISTA O GLOBO (30/3/2014)

Quem nunca?

Nem deu tempo de a Embratur soltar uma nota oficial indignada, como é de costume. Assim que a imprensa brasileira começou a reproduzir  as dicas com que, sob o título “Brasil para principiantes”, a Fifa pretendia informar os turistas que chegarão aqui para ver a Copa do Mundo sobre peculiaridades do comportamento brasileiro, a toda poderosa dona do campeonato mundial de futebol retirou o texto do ar.

Não precisava. Afinal, não é isso que os brasileiros fazem quando o mesmo campeonato acontece em países supostamente exóticos? Lembro-me muito bem das incontáveis reportagens publicadas na imprensa daqui sobre o hábito de os coreanos comerem carne de cachorro nas refeições quando aconteceu a Copa de Japão-Coreia. Depois, a gente descobriu que carne de cachorro nem era tão comum assim nos cardápios de lá, mas não vi nenhuma autoridade coreana reclamando. Durante as Olimpíadas da China, nossos repórteres não se cansaram de chamar a atenção para o fato de os chineses terem o hábito de cuspir nas calçadas. Ninguém me avisou antes, mas eu mesmo descobri, durante a Copa da Alemanha, que alemães não consideram de bom tom passar dinheiro de uma mão para outra. No comércio, há sempre uma bandejinha ao lado do caixa para o freguês deixar as notas com o pagamento. O vendedor usa a mesma bandeja para deixar o troco. De mão para mão é falta de educação.

O texto da Fifa era respeitoso e bem humorado. “A pontualidade é um conceito muito flexível no Brasil”, constatou o autor do tal texto. E não é? Acho até que ele foi condescendente dizendo que, em qualquer encontro, “o normal é contar com uns 15 minutos de atraso”. Quinze minutos? Já vi gente aparecer com meia hora de atraso em reuniões e se surpreender por ver que os outros participantes já tinham chegado. “Puxa, mas eu cheguei praticamente na hora!”

Diz a Fifa: “Os brasileiros e as brasileiras não estão familiarizados com o costume da Europa de manter distância como uma norma de cortesia e conduta. Eles falam com as mãos e não evitam de tocar o interlocutor.” É a mais pura verdade. Pior: quando estão na Europa, muitos brasileiros continuam se comportando assim (chamar a atenção de alguém que está de costas tocando no ombro, por exemplo) e nem percebem o sustos que os locais levam quando são tocados.

O texto acrescentava que nós não gostamos de filas e sempre damos um jeito de ser mais inteligentes conseguindo um lugar na frente. Alguém tem coragem de dizer que isso é mentira? Num ponto, pelo menos, a FIFA foi precisa: que país é este em que as mulheres desfilam nuas no carnaval, mas o topless não é aceito nas praias? Um dos lembretes é daqueles que não há como reclamar: no Brasil, não se fala espanhol. Neste ponto, a Fifa foi mais irônica com os turistas do que conosco.

Talvez a Fifa tenha agido certo ao retirar o texto do ar. Mais cedo ou mais tarde, a própria presidente Dilma usaria a prerrogativa de convocar uma rede nacional de televisão para reclamar das “críticas” da Fifa. E iria dizer que nós somos pontuais, não tocamos em ninguém, que respeitamos filas, que até ela, a presidenta, faz topless quando lhe dá na telha e que o espanhol é nossa segunda língua. Antes que a crise diplomática se estabelecesse, a Fifa voltou atrás. Quando fizer o próximo “Brasil para principiantes” pode acrescentar que brasileiros não admitem que estrangeiros analisem seu comportamento. Isso só brasileiro pode fazer.
 
Artur Xexéo
 

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