2019/04/20

Opinião


O preso pode conceder entrevista a órgão de imprensa?

NÃO

“Aquele que entra no nosso falido sistema carcerário sabe, de antemão, que diversos dos direitos que possuía do lado de fora dos muros de um presídio são, de uma hora para outra, simplesmente perdidos ou, então, severamente coarctados.

De efeito, é inegável que a prisão traz consigo uma série de consequências, a começar pela perda do livre exercício do direito de ir e vir. É bom dizer, nesse compasso, que o encarceramento não só mitiga direitos como também cria obrigações, as quais devem ser seguidas pelo detento.

Aliás, no que diz respeito às obrigações e aos direitos dos presos (tanto os provisórios quanto os que cumprem pena), a Lei de Execução Penal (LEP) é clara ao prevê-los, expressamente, entre os artigos 38 a 43.

No tocante aos direitos, por mais que o rol seja exemplificativo (artigo 41, LEP), é certo que o legislador, ao elencá-los, buscou ser bem detalhista e minucioso. E, especificamente no que diz respeito ao direito à comunicação do encarcerado “com o mundo exterior”, a LEP é clara ao prevê-lo apenas “por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes” (art. 41, inc. XV).

Ou seja, exceção à correspondência escrita, não há, ao menos na LEP, qualquer previsão legal que permita ao preso, ao seu talante, conceder entrevistas à imprensa ou convocar coletivas.

É bem verdade que, nesse particular, a legislação não é expressa a respeito, ou seja, não proíbe nem permite. Contudo, por razões de cautela e prudência, não se pode aceitar, sem critério algum, que todo e qualquer preso, sempre que desejar, possa exercer um “direito” que a lei não prevê claramente, qual seja, o de ser entrevistado.

É bom dizer que não se está aqui buscando cercear a liberdade de expressão dos detentos. Longe disso! Mas, dada a condição de “preso”, é forçoso reconhecer que até mesmo o direito de se expressar sofre severas restrições, assim como diversos outros ínsitos à pessoa humana.

Caso o detento queira se expressar “ao mundo exterior” de forma diversa daquela prevista na LEP, que o faça por intermédio do seu advogado ou, então, da defensoria pública ou de seus familiares.

Até porque, sobretudo para a manutenção da segurança interna dos presídios, seria temerário, para se dizer o mínimo, que os veículos de imprensa em geral pudessem ter acesso livre e desimpedido a todo e qualquer detento.

Daí, pois, é que, longe de ser um “direito”, o acesso do preso à mídia deve ser reservado para situações realmente excepcionais, de comprovado interesse público (o que é diferente do mero “interesse do público”, de cunho eminentemente sensacionalista).

Aqui, vale acrescentar que a LEP, ao prever os direitos dos presos, também foi taxativa ao determinar que o recluso deve ser protegido “contra qualquer forma de sensacionalismo”.

Assim, quando o interesse público demandar a realização de uma entrevista com um detento específico, nada impede que um determinado veículo de imprensa ouça o referido preso, entrevistando-o a respeito de um fato qualquer.

Nunca é demasiado lembrar, contudo, que o encarcerado está sob a custódia do Estado, o que justifica, pois, que uma entrevista só possa ser realizada mediante prévia autorização da autoridade judicial responsável.

Nesse ponto, cumpre sempre repisar que, em tais hipóteses, a decisão a ser proferida pelo magistrado deverá ser pautada, sempre, tanto pela manutenção da segurança interna do estabelecimento prisional, quanto pela efetiva e real necessidade daquela entrevista para o interesse público. O sensacionalismo barato, o uso da imprensa para autopromoção do crime etc., sempre devem ser evitados.

Como conclusão, entendo que o preso, seja o provisório, seja o condenado, não está autorizado, a priori, a conceder entrevistas, livremente, aos veículos de imprensa. Tal restrição encontra guarida na manutenção da ordem e segurança internas do presídio, bem como no direito que tem o detento de ter a sua imagem e a sua identidade resguardadas e imunes à mera exploração jornalística. No entanto, em situações especialíssimas, certas exceções podem ser admitidas, desde que precedidas de expressa autorização do Poder Público.”

Euro Bento Maciel Filho – Advogado, professor de Direito Penal e vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB SP

 

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