2010/07/11

Lacuna na Lei Eleitoral permite registro de patrimônio com base em valores desatualizados

Uma brecha aberta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permite a declaração de valores irreais para os bens dos candidatos a cargos eletivos. Eles registram o valor histórico de imóveis, carros, aviões, sem informar o valor atual do patrimônio. Nesse mundo fictício, uma fazenda pode custar R$ 600. Uma coleção de quadros e obras de arte tem o valor de R$ 861. Cem terrenos na movimentada praia de Cidreira (RS) ficam por R$ 6,9 mil. Os registros feitos no TSE também mostram repentinas alterações no patrimônio dos deputados nos últimos quatro anos. Para cima ou para baixo. Por precaução, muitos optaram por registrar o valor real de seus bens.

A Lei Eleitoral, de 1997, determina que os candidatos façam a declaração dos bens. Nas primeiras eleições, muitos informaram a lista, mas sem o valor de cada um ou apenas com o valor histórico. Em setembro de 2006, o TSE decidiu que o requerimento de candidatura deve ser acompanhado da declaração de bens, “sem indicar os valores atualizados e as mutações patrimoniais”. Os ministros deixaram claro que essa declaração de bens terá que ser semelhante à remetida à Receita Federal. Segundo os ministros, seria uma maneira de poder comparar as declarações para verificar eventuais inconsistências. O empresário Marcelo Castro (PMDB-PI) declarou patrimônio de R$ 629 mil. Oito de suas fazendas somam R$ 12 mil. Questionado pelo Correio, afirmou que declara o valor histórico dos imóveis, como pede o TSE. Ainda assim, o valor não estaria abaixo do mercado? “Comprei faz anos. Era esse o valor.”

O que impressiona na declaração do deputado Paes Landim (PTB-PI) é o valor total do patrimônio: R$ 147 mil. Há quatro anos, era de R$ 5,8 milhões. Ele tenta explicar o mistério: “Sou um daqueles casos raros de político que empobrece durante o mandato. Levo uma vida franciscana, vivo de caridade”. Alertado de que tem registrada uma coleção de quadros e obras de arte no valor de R$ 861, comenta: “É o valor histórico, mas não valem mais do que R$ 40 mil”. Após alguns minutos de conversa, admite que o valor talvez seja de R$ 100 mil. E os R$ 100 mil em espécie declarados ao TSE? “Deve ter havido engano.”

Saltos
Nem todos usam o artifício do “valor histórico” para omitir a real abrangência do patrimônio. O deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA) declarou aumento de R$ 7,3 milhões para R$ 10,4 milhões nos seus bens. A Agropecuária Pau Darco, por exemplo, teve valor acrescido de R$ 4,5 milhões para R$ 6 milhões. O petista Jorge Boeira (SC) viu o patrimônio crescer de R$ 510 mil para R$ 2,4 milhões em quatro anos. A maior parte se deveu à participação no capital da empresa Bel Export, que pulou de R$ 475 mil para R$ 1,9 milhão. Ele também adquiriu um apartamento em Porto Alegre, por R$ 237 mil.

O líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), fez questão de registrar toda a alteração patrimonial nos últimos anos. Seus bens saltaram de R$ 2,8 milhões para R$ 5,5 milhões. Ele comprou um apartamento no edifício Bellomonte, em Natal, por R$ 2,9 milhões, mas declarou ter pago apenas uma parcela de R$ 500 mil. Na declaração de 2006, aparece um terreno na praia Barra do Rio, em Extremo (RN), no valor de R$ 15 mil. Agora, o terreno virou casa, “em início de construção”, no valor de R$ 815 mil. Ele também comprou uma casa na Avenida Beira Mar, em Ceará-Mirim, por R$ 965 mil. Foi um período de prosperidade para o deputado.

Pela declaração de José Rocha (PR-BA), o seu enriquecimento teria sido um assombro. Seus bens passaram de R$ 1,7 milhão para R$ 16,6 milhões em quatro anos. Tudo registrado no TSE. O lucro teria sido aplicado na compra de um avião, por R$ 14 milhões. “Não pode ser. É um Seneca. O valor é R$ 140 mil. Foi um erro de digitação. Vamos corrigir”, justificou. Em 2006, o tal avião aparece na declaração no valor de R$ 36 mil. “Comprei por uns R$ 60 mil, mas acho que vale uns R$ 200 mil”, comentou.

Crédito
O deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS) é tido como um homem rico no Congresso. Em 2006, declarou patrimônio de apenas R$ 868 mil. A maior parte pela participação na empresa Gaivota (R$ 401 mil). Neste ano, o patrimônio prosperou. Ele registrou um crédito de R$ 877 mil na empresa por cessão de bens. Também comprou metade de um apartamento por R$ 573 mil. Sem contar os 100 terrenos em Cidreira (RS), por R$ 6,9 mil, com dois sócios.

Há também quem perdeu patrimônio. Félix Mendonça (DEM-BA) viu o seu despencar de R$ 6,9 milhões para R$ 3,6 milhões. A sua participação na empresa Grão Pará caiu de R$1,8 milhão para R$ 76 mil. Ele tinha 99,99% do capital da Agropecuária Riuna (R$ 1,2 milhão). Agora, só tem 1%, ou R$ 13 mil. Também se desfez de casas no valor de R$ 817 mil. Em contrapartida, adquiriu uma embarcação Fairline Phanton por R$ 625 mil e uma casa na Praia do Forte por R$ 546 mil.

Correio Braziliense
Lúcio Vaz
Publicação: 11/07/2010

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