2016/04/02

Tiros no pé

 

A estratégia da presidente Dilma Rousseff para evitar o seu impeachment tem a marca registrada de sua trajetória política: o voluntarismo. Por isso mesmo, cada vez que discursa no Palácio do Planalto para denunciar a fantasiosa tentativa de golpe de Estado da oposição de que se diz vítima, mais aumenta o seu isolamento na nossa sociedade e, também, internacional.

Dilma trata a disputa política que se instalou no Congresso como uma questão de vida ou morte. Do ponto de vista de seu mandato, faz sentido, mas o mesmo não se pode dizer em relação à democracia. Seu governo é um fracasso e não tem a menor chance de dar certo, pois atravessou a linha divisória que o separa do razoável, numa rota que não tem volta. É ruim e péssimo e não tem chances de recuperação.

O impeachment é um recurso constitucional do Estado democrático para interromper a trajetória de maus governos, antes que a sociedade seja conflagrada. A retórica de Dilma, porém, aposta na conflagração política e social para evitar que esse instrumento legítimo seja utilizado. Sua retórica é a de quem a vê a luta política na ótica da guerra civil, o que revela o âmago de suas concepções políticas, considerando-se a opção que fez pela luta armada durante o regime militar e a crença de que a revolução se confundiria com a queda da ditadura. Isso é perigoso, revela uma visão instrumental da democracia.

As manifestações de apoio ao governo organizadas pelo PT para barrar o impeachment, emulando com os protestos convocados pela oposição, referendam a retórica de Dilma com discursos, bandeiras e balões. Procuram resgatar velhas palavras de ordem de esquerda que a legenda abandonou no toma-lá-dá-cá patrimonialista e fisiológico, que pautou sua atuação no governo. A radicalização e o sectarismo governista estimulam setores reacionários e fascistas que se opõem o governo e têm o nítido propósito de inibir e de intimidar os cidadãos sem-partido que protestam pacificamente.  É uma escalada também  perigosa, que chega aos salões do Palácio do Planalto em discursos e gritos de autoridades e representantes de movimentos sociais.

Uma avaliação serena das mobilizações, cujos números são inflados por seus organizadores, porém, revela que não são suficientes para suplantar a vontade das ruas a favor do impeachment. Isso não significa que não tenham um papel a cumprir, pois servem de cortina de fumaça para as articulações que estão sendo feitas para abafar a Operação Lava-Jato e articular os setores mais oportunistas do Congresso com promessas de cargos e verbas, para dizer o mínimo, e barrar o impeachment. Essas ações, sim, são mais eficazes e podem resultar na permanência de Dilma no poder.

Com relação às investigações do chamado “petrolão”, houve significativa mudança de postura do Palácio do Planalto. Dilma procurava manter distância regulamentar da Lava-Jato, operando nos bastidores através do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, agora na Advocacia Geral da União. Com a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil, cujo objetivo foi provocar a mudança de foro da Justiça Federal de Curitiba para o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto passou a operar abertamente para desmantelar a força-tarefa da Lava-Jato.

Visando afastar o juiz federal Sérgio Moro do caso, já foram feitas quase duas dezenas de representações no Conselho Nacional de Justiça contra ele.

Uma operação da envergadura da Lava-Jato, sob responsabilidade de um único juiz, jamais estará livre de erros e eventuais excessos, mas,  para corrigí-los, existem os tribunais regionais e os tribunais superiores, principalmente o Supremo. Toda decisão monocrática está sujeita aos tribunais e que mudou as regras do jogo do trânsito em julgado foi o STF, ao limitar i direito dos réus s responder em liberdade a partir da segunda instância. Mas o que se quer em relação à Lava-Jato é jogar fora a criança com a água da bacia. Usa-se de todos os recursos contra o juiz Moro, que atualmente é obrigado a andar com escolta de 15 agentes federais, uma vez que as investigações sobre o que era chamado de “crime de colarinho branco” chegaram ao submundo do crime organizado, ao se aproximar do caso Celso Daniel.

Por trás de velhas palavras de ordem, que prometem uma guinada à esquerda na política do governo para mobilizar os setores de esquerda que ainda apoiam Dilma e retirá-los da defensiva moral, opera-se um giro à direita nas alianças do governo, em substituição ao PMDB. Dilma promete o Ministério da Saúde ao PP, partido com maior número de envolvidos na Lava-Jato, na esperança de garantir 49 votos na Câmara contra o impeachment. Outros 40 votos do Partido da República e 31 do Partido Social Democrático seriam garantidos com nomeações para órgãos do governo, como a Funasa e a Casa da Moeda. Um pool de pequenos partidos (PTN, Pros, PHS, PT do B, PSL) proveriam 27 votos.

Dilma armou uma barraca de feira no Congresso. É a xepa!

Ninguém sabe o que vai acontecer nessa crise. Muitos atores politicos, a favor e contra o governo, estão sob investigação da Lava-Jato, na esfera do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal, como sãos os casos dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas é evidente que a presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o PT são os agentes políticos responsáveis pelo agravamento da situaçao. Não foram capazes, até agora, de encontrar uma saída positiva para a inédita crise econômica, ética e política que assombra o mundo. Ao contrário, são protagonistas. A oposição não teria força para isso; é apenas coadjuvante. Se houver impeachment, a força política decisiva será o aliado que Lula e Dilma escolheram para se perpetuarem no poder, nele se revezando à putiniana, o PMDB do vice-presidente Michel Temer.

Quem faz o Blog

Luiz Carlos Azedo
Jornalista, colunista do Correio Braziliense

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