2009/06/17

Jornalismo de luto, sem luta

Senhores e senhoras colegas, guardem a data de hoje. 17/06/09.
Infelizmente, a anotação em seus caderninhos será de amargas lembranças e de uma constatação, no futuro, de que os jornalistas sentiram hoje um duro golpe. Com a decisão do Supremo Tribunal Federal , por oito votos a um, pela não exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, atendendo a uma ação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do estado de São Paulo e do Ministério Público Federal (que na verdade contestava uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que determinou a obrigatoriedade do diploma), a categoria, pouco a pouco, se desintegrará.
Certos argumentos utilizados pelo ministro Gilmar Mendes, relator da ação, são de uma simplicidade, e, por que não, de uma fragilidade tão clara que deixam à mostra o quão superficial foi a questão discutida na sociedade.
Vejamos: “Os jornalistas se dedicam ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”. Ora, não se pode confundir o acesso à liberdade de expressão com todo um sistema de preparação de profissionais para a área de comunicação, muito mais abrangente do que pensa o ministro Mendes e os demais que acompanharam o voto do relator. Comunicação é, em suma, uma ciência, que envolve o homem, a sociedade, as relações humanas. Comunicação não verbal, interpessoal, empresarial, enfim, dos mais diferentes tipos – será que toda e qualquer pessoa tem a capacidade de compreendê-los, simplesmente?
Outra: “Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”. Sinceramente, ministro, menos. Com a devida vênia, se for para popularizar o linguajar, cada macaco no seu galho. A educação superior é a parte de maior substância na base da formação jornalística. É através dela que se tem contato com a história, o entendimento da formação da sociedade e suas formas de comunicação, a evolução dos meios, etc. O alicerce sempre fará falta.
Certamente vozes se levantarão para lembrar inúmeros bons jornalistas que, no passado, e alguns ainda nos dias de hoje, por força de terem somado tempo de serviço anterior à exigência do diploma, fizeram (e fazem) um bom trabalho. Mas é muito mais difícil o surgimento de bons profissionais sem uma preparação específica do que o levante de uma nação de robôs, zumbis, idiotas e afins que se arvorarão de jornalistas.
Com raras exceções, e entre elas as conhecidas estrelas da TV, os salários dos jornalistas são e sempre foram uma piada sem graça. Em regra, é uma categoria sem força sindical, do que se aproveitam os proprietários dos órgãos de comunicação para manterem o piso num patamar indigno. Um vício com uma pitada da vaidade profissional, que muitas vezes faz o profissional (ainda profissional!) aceitar trabalhar dessa forma. Façamos mea culpa colegas.
Vamos ver, agora, se jornalismo é mesmo sacerdócio, como a maioria dos novatos ouve, no sentido de que eles se joguem nas moendas dos meios de comunicação, porque os novos “jornalistas” terão de aceitar os salários que a classe recebe. Ou melhor, recebia, pois os índices vão gradativamente diminuir, certamente.
Alguém tem dúvidas de que o desemprego na área de comunicação, que já é considerado considerável, vai aumentar? O que levaria um proprietário de rádio ou jornal, por exemplo, a manter no seu quadro um profissional com um determinado salário sabendo que tem um filho, afilhado, sobrinho, primo, cunhado ou neto que tão bem soube escrever aquela cartinha para a avó? O nível de excelência de sua rádio ou jornal? Não, o nível salarial. O “nível de nivelar por baixo” por que jornalismo também é negócio. “Farinha pouca meu pirão primeiro”? – quem se importa com a informação e conscientização popular? Aliás, sem ela o próprio povo não enxergará e não terá como discutir e exigir qualidade. Se foi, sutilmente ou não, para a “manipulação das massas”, acertaram quase na mosca.
De imediato, não se assustem se efetivamente a qualidade de grande parte dos meios de comunicação cair de modo acentuado. Dizem que o Brasil tem 180 milhões de técnicos de futebol, e deverá passar a ter (pelo menos perto disso) 180 milhões de jornalistas, com teses que vão do acasalamento do mosquito Aedes Aegypti ao funcionamento de uma base terráquea na lua.
Em Campos já temos há tempos a invasão de rádios (especialmente) por pessoas que de radialistas não têm nem o sotaque, em horários comprados, num sucateamento do setor e da própria tradição do rádio campista e, a reboque, da cultura.
Imaginem os universitários que estão saindo agora das faculdades e universidades. É ou não, a eles, um ato lesivo a não obrigatoriedade do diploma?
Aliás, o que será dos cursos de comunicação?
Se a idéia é a de permitir a todo cidadão a liberdade de expressão, melhor seria os governos serem fiscalizados em relação ao uso da verba pública em propaganda, muitas vezes dissimulada ou mentirosa, e seria melhor a fiscalização sobre a manipulação da informação, em toda a sua linha de existência, por órgãos públicos e privados. Isso seria, de início, o básico para que os cidadãos efetivamente soubessem em que sociedade vivem, podendo, assim, expressar da melhor forma seu pensamento.
Mas para os pais da idéia de se acabar com a obrigatoriedade do diploma essa deve ser uma outra discussão.
Acredito que não.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssimo o seu comentário, Luciano. Verdadeiro, profundamente sensível a essa terrível decisão do STF.Estou de luto, inconformada e, na espera de algo que não sei, poderá acontecer.