2016/09/16

Crônica


                                              AOS DOMINGOS

Não se repara na proximidade da morte. Não entendam como distância, como tempo, mas como algo que pode simplesmente surgir. E nos parece sempre tudo tão estranho, visto que não levamos em conta, não pensamos e não pretendemos pensar que apesar da pequena distância, há um fosso abissal de vontade.

Não se trata de vivermos espreitados. É o fim do novelo; a última frase do livro; o último gole do café que nos alimenta a alma e o corpo. Sabemos lá estar, podemos ter a sensação de que iremos encontrar esses pontos, mas no fundo não o queremos. Ou pretendemos a ele chegar do modo e na hora em que se quer. Um dia qualquer.

Apesar da plena consciência, não se concebe o fato, em si, de um simples fato gerar uma consequência definitiva, concreta – chega-se à festa surpresa antes anunciada. Isso indigna. O ser humano na maior parte das vezes quer ter controle sobre os seus atos, e se esquece (não pensa, não se dá ao luxo de pretender pensar) em que na morte não se guia, não se planeja, não há tempo para se planejar.

Se não há entendimento, combinação, tem-se o claro sentimento de perda. Mas não do extravio. O de termos sido ludibriados, desconsiderados, desrespeitados, pois que a nós nada é informado, perguntado. O ser humano é assim mesmo. Quer ser autor e protagonista de sua vida, e espera inutilmente poder escrever os últimos capítulos de sua história. Raros talvez tenham tal chance – não aqueles que desistem de si, mas os que se envolverem com a mesma inesperada e aleatória chama do acaso, da bem aventurança ou do destino. Como queiram. Um dia qualquer.

Já existem no ar as respostas anunciadas às perguntas sobrevindas. Aliás, nem sempre com surpresa. Como assim? Assim mesmo amigos.

Não é lúgrube, mas real, termos a única certeza de que iremos um dia, e ao fim caminhamos desde que abrimos os olhos. A grande diferença do entendimento é o inexplicável sentimento do quão importante é o momento final, do quão inconsequente pode ser, deixando obras inacabadas. No entanto, o homem não é tomado pelo instinto sôfrego de vida, de forma arrebatadora. A existência não é um livro que se pode começar pelo meio, ciente de que em algum momento acabaremos por a tudo entender, do modo que o temos em mãos, o folheamos, dedicamos a ele os momentos que nos interessam, ou que podemos.

Da mesma forma que não é inexplicável dizer que há beleza na tristeza. É sabido, mas embora confortador, não se busca para que não se passe pelo primeiro ato, antes do epílogo.

Não se conhece resultado único qualquer de mesclados naturais que nos guie efetivamente para fora da inquietude latente. Mas ao menos é cristalino, durante a vida, que ser bom é o melhor, simples assim – é apaziguador, no sentido mais amplo que pudermos conceber, sempre. Um dia qualquer.


Luciano Aquino Azevedo

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