2016/08/13

Petrobras, empreiteiras e executivos: a punição garantida nos Estados Unidos

A Petrobras  sob a  jurisdição dos Estados Unidos
por Isabel Franco
 
No ano passado, tive a honra de escrever um artigo para essa renomada revista, em que analisei a possibilidade de a Petrobras ser penalizada nos EUA pelas práticas tenebrosas da Lava Jato. Quase um ano depois, o mundo observa estarrecido o desenrolar desse escândalo de vultosa dimensão internacional, e eu volto a analisar o assunto, atualizando o meu artigo anterior.
 
Concluí, há um ano, que não haveria como a Petrobras se isentar das penosas sanções que as autoridades americanas aplicam normalmente a infratores das suas leis anticorrupção, pois essas autoridades têm uma reputação a zelar e a ausência de punição poderia acarretar um descrédito no mundo todo a que essas instituições jamais poderão se dar ao luxo.
 
Hoje, praticamente um ano depois, continuamos sem saber qual será o desfecho do caso nos EUA. Há mais dúvidas do que certezas sobre o processo naquele país isso porque esse caso é extremamente inusitado mesmo nos EUA, por ser a Petrobras uma companhia de economia mista controlada por um governo estrangeiro. Ao que se sabe, é o primeiro caso desse tipo e desafia os paradigmas mundiais de punição por corrupção.
 
Vale lembrar que a nossa outrora joia da coroa brasileira só se encontra nesta encrenca nos EUA porque emitiu títulos naquele país, usufruindo, portanto, da poupança popular do Tio Sam. Seus papeis (American Depository Receipts – ADRs) são negociados nos Estados Unidos e, até a Lava Jato, nossa Petrobras era a maior empresa estrangeira negociada na bolsa de valores de Nova York.
Explicamos anteriormente que nos EUA as autoridades se preocupam com o pé de meia do povo, e aqueles que não respeitam as economias dos cidadãos americanos ficam sujeitos a duríssimas penas.

Retornemos ao assunto
A principal lei anticorrupção dos EUA, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), é aplicada para proibir condutas corruptivas em qualquer lugar do mundo e se estende a empresas com títulos em bolsas americanas, bem como a seus executivos, diretores, empregados, acionistas e agentes. Agentes podem incluir terceiros, consultores, distribuidoras, sócios de joint-ventures e muitos outros.

Como sabemos, a responsabilidade pela aplicação da FCPA é dividida entre a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (Securities and Exchange Commission – SEC) e o Ministério Público norte-americano (Department of Justice – DOJ).

Casos enquadrados na FCPA costumam levar de dois a quatro anos para serem processados do início ao fim, com raras exceções. Contudo, pela peculiaridade deste caso, o processo pode demorar mais anos, como sugere a experiência da nossa outra joia da coroa, a Embraer, há mais de seis anos sob investigação. E, por ser sigiloso, pouco se consegue especular sobre o andamento de qualquer processo nos EUA.

A FCPA e a Petrobras
Como sabemos, noticia-se que a Petrobras teria sido utilizada pelo governo brasileiro para financiar seu próprio partido político. Desta forma, altos dirigentes da Petrobras permitiram que membros de um suposto cartel de empresas de construção sistematicamente inflassem os seus custos em até 20% em contratos com a petroleira. As empresas contratadas, por sua vez, pagavam a altos executivos da Petrobras e a políticos de diversos partidos até 3% do valor total do contrato, sob a forma de subornos.

Vale aqui relembrar os aspectos básicos da FCPA para podermos avaliar a gravidade da situação da Petrobras fora de sua pátria Brasil. Essa lei criou sanções penais e cíveis para empresas, empregados, administradores e representantes de empresas norte-americanas que pratiquem atos de corrupção no estrangeiro, pagando propinas a autoridades governamentais.

Entretanto, na tentativa de driblar sua submissão à FCPA, a Petrobras vem alegando que é vítima e não agente corruptor e, portanto, não deveria ser processada pela FCPA. A defesa da Petrobras tem sido sistematicamente no sentido de que não cometeu qualquer prática de suborno, mas sim que foi vítima, pois os pagamentos de propinas na verdade teriam sido efetuados pelas empresas contratadas, e não diretamente por ela, Petrobras. Alega a empresa que os pagadores de propina agiam para beneficiar terceiros e não a própria companhia e que, em nenhum momento, a empresa foi beneficiada. Pelo contrário, ela foi simplesmente saqueada. Essa posição foi reforçada pelos próprios procuradores do grupo de investigação em Curitiba e pela antiga Controladoria-Geral da União (CGU).

Esse é o ponto crucial em análise pelas autoridades americanas, pois a FCPA supostamente se aplica àqueles que oferecem subornos e não àqueles que os recebem. Entretanto, relembremos as considerações do meu artigo anterior: é óbvio que uma entidade só age através de indivíduos e as instituições devem se responsabilizar pela má conduta de seus dirigentes, representantes e funcionários. Os executivos da Petrobras confessaram que receberam propinas de empresas de um suposto cartel e que membros da alta cúpula da empresa tinham conhecimento do repasse do suborno a políticos, candidatos e partidos políticos. Portanto, a entidade deve se responsabilizar por esses atos.

Não se sabe, contudo, como as autoridades daquele país tratarão o caso da Petrobras, ou seja, se a considerarão diretamente responsável pelos alegados pagamentos de suborno. Pois claro está que a Petrobras argumentará estar no polo passivo, como vítima somente e, portanto, não infratora da FCPA.

Entretanto, não podemos esquecer que a FCPA não somente dispõe sobre subornos. Na verdade, ela contém dois grandes capítulos de disposições antissuborno e de registros contábeis (books & records). O primeiro capítulo sobre subornos considera como crimes determinados pagamentos a autoridades governamentais estrangeiras e o segundo exige uma prestação de contas rígida por parte das empresas sob sua jurisdição, além da criação de controles internos adequados com auditorias periódicas.

Com relação a este segundo capítulo da FCPA é que não restam dúvidas que a Petrobras será processada nos EUA. Essas disposições impõem às empresas sólidas obrigações contábeis: seus livros, registros e contas devem ser mantidos com detalhes e precisão tais que reflitam de maneira justa e acurada todas as operações da companhia.

As empresas sujeitas à SEC são obrigadas a manter registros em “detalhe razoável” para refletir suas transações e manter um sistema de controles contábeis internos suficientes para proporcionar “segurança razoável” de que os ativos são correta e devidamente registrados.

Além dos requisitos de contabilidade e controles internos previstos em lei, duas regras adotadas pela SEC sob a FCPA também regem as práticas contábeis das empresas. A primeira delas proíbe a falsificação de qualquer conta, livro ou registro sujeito às disposições contábeis da FCPA. A segunda regra proíbe declarações falsas por conselheiros ou diretores para contadores com relação a auditorias e relatórios à SEC.

A SEC não admite lançamentos contábeis obscuros, falsos, enganosos ou registros artificiais, como a caracterização errônea de um pagamento impróprio, como pagamentos de comissão, taxas de processamento ou descontos, honorários de êxito ou planos de incentivo. Neste quesito, a Petrobras sem dúvida se incriminou, pois é público que a empresa maquiou seu balanço e fraudulentamente escondeu o pagamento de propinas em sua contabilidade.

A SEC tem autoridade para investigar e iniciar ações de natureza civil contra os violadores dessas disposições contábeis. O DOJ é responsável por instaurar processos criminais contra violações deliberadas das disposições contábeis e regras da SEC adotadas sob esse título.

A SEC não hesita em punir exemplarmente empresas infratoras dessas regras. Para ilustrar com somente dois casos, a Schering-Plough concordou em pagar uma multa civil de US$ 500 mil por violar disposições contábeis da FCPA com relação a pagamentos feitos por uma subsidiária polaca para uma entidade filantrópica dirigida por um funcionário do governo polonês. A SEC alegou que nenhum dos pagamentos foi refletido com precisão em livros da controlada e que os controles internos da Schering-Plough foram insuficientes para prevenir ou detectar os pagamentos em questão.

Também a ABB Ltd., com sede em Zurique, Suíça, mas sujeita à FCPA por ter ações negociadas nos EUA, foi processada pela SEC porque a empresa registrou indevidamente pagamentos ilícitos em seus livros e registros contábeis e não possuía controles internos adequados para prevenir ou detectar esses pagamentos ilícitos.

Em cada caso, as violações das disposições de “books & records” foram baseadas em práticas contábeis questionáveis nas operações externas de empresas estrangeiras sujeitas à FCPA, e a inadequação dos controles internos foi um fator de avaliação de culpa.

Esses casos não permitem qualquer dúvida de que, mesmo que a Petrobras não seja enquadrada na FCPA por pagamento de propina, ela o será por infrações contábeis do tipo “books & records”.

A Petrobras sabe que enfrentará as maiores penas já aplicadas pelas autoridades norte-americanas em infração da FCPA, pois todas as denúncias feitas pelos delatores premiados no Brasil revelaram as falhas nos controles internos da estatal.

A petroleira também é acusada de ter superfaturado o valor de seus bens e equipamentos em seu balanço oficial. De acordo com a acusação de ações já em curso contra a Petrobras, como se verá adiante, as quantias superfaturadas pagas em contratos foram contabilizadas como ativos no balanço. Essas quantias foram superfaturadas porque a Petrobras inflou o valor de seus contratos.

A Lei Sarbanes-Oxley
Não bastasse a FCPA, a Petrobras está ainda sujeita a outras leis regulando as empresas nos Estados Unidos, como a Lei Sarbanes-Oxley de 2002 (a famosa “SOX”), que pune crimes financeiros e contra o mercado de capitais.

Novamente a nossa petroleira somente é sujeita a essa lei por ter ADRs negociadas no mercado norte-americano. Aprovada em julho de 2002 em resposta aos escândalos contábeis corporativos das notórias empresas Enron e WorldCom, a SOX não alterou a idosa FCPA de 1977, mas várias de suas disposições, no entanto, também dizem respeito a divulgações e controles internos.

A propósito, vale enfatizar que a Petrobras já está sendo processada por seus investidores nos EUA em virtude da SOX. Nesse caso, a punição é civil, e não criminal, e as empresas pagam multas vultosas, mas na prática ninguém vai para a cadeia por causa da SOX.

Duplo Processo –  Ne  Bis In Idem
A questão mais fascinante de todo esse imbróglio em que vive a Petrobras é que ela pode ser processada não somente em sua própria pátria brasileira, mas também nos EUA, como já se viu, e, ainda, teoricamente, na Europa, pois a companhia também tem ações na bolsa de Frankfurt, Alemanha, o que a remeteria à investigação pela Lei Antissuborno do Reino Unido (a UK Bribery Act), que é uma das mais severas do mundo.

Esse preceito também se aplica às empreiteiras envolvidas na Lava Jato e a todos os indivíduos malfeitores desse escândalo sem precedentes.

Essa questão, embora muito real, é altamente controversa e mereceria um estudo extremamente aprofundado para um futuro artigo. Vários países aderem ao princípio que não admite a condenação duas vezes pelo mesmo ilícito. Esse princípio é conhecido nos Estados Unidos como “double jeopardy protection” ou, em “juridiquês”, como ne bis in idem, ou seja, dupla punição pelo mesmo ilícito.

Em matéria de corrupção, os EUA já comprovaram ser extremamente severos e não se satisfazem somente com a punição em outro país como elemento de isenção de punibilidade em seu solo, não hesitando em aplicar a FCPA rigorosamente a empresas estrangeiras. Na prática, os Estados Unidos notoriamente não reconhecem o ne bis in idem e há vários casos em que o país não aplica esse princípio. Com raríssimas exceções, os EUA não deferem a outro país a autoridade para julgar um caso isoladamente quando a empresa multinacional fere a FCPA.

Isso fica claro pela condenação emblemática, em 2008, da Siemens AG, que teve de pagar US$ 1,6 bilhão nos EUA e na Alemanha em multas e na restituição de lucros obtidos com um esquema de suborno de funcionários públicos em suas filiais pelo mundo todo. O acordo fechado pela Siemens com o DOJ e a SEC foi extremamente rígido, prevendo o pagamento de US$ 450 milhões para o DOJ e mais US$ 350 milhões para a SEC, num total de US$ 800 milhões. Até o escândalo da Petrobras, o caso da Siemens era considerado o maior episódio de corrupção internacional da história, sem precedentes em escala e alcance geográfico.

Mas, esse rigor norte-americano não foi só com a empresa alemã. Oito dos dez maiores acordos da FCPA envolveram empresas de fora dos Estados Unidos, como, por exemplo: Alstom (da França), de US$ 772 milhões, em 2014, BAE (do Reino Unido), de US$ 400 milhões, em 2010, a também francesa Total, de US$ 398 milhões, em 2013, a Snamprogetti Netherlands B.V/ ENI S.p.A (da Holanda/Itália), a JGC Corporation (do Japão), de US$ 218,8 milhões, em 2011, e a Daimler AG (da Alemanha), de US$ 185 milhões, em 2010, entre outras.

Punição Garantida
Após os exemplos acima, como deixaria a SEC de condenar a brasileira Petrobras? Como se justificaria perante às acima citadas multinacionais exemplarmente punidas? Que argumento poderiam as autoridades americanas utilizar para essa isenção de aplicação da sua lei?

Poder-se-ia argumentar que – no caso da Petrobras – trata-se de uma companhia controlada por um governo estrangeiro. Ou, mais criativamente, que a Petrobras já sofreu a maior punição por estar praticamente falida, ou, ainda, que quem vai pagar a conta são os pobres cidadãos brasileiros.
Entretanto, a omissão de punição estabeleceria um seríssimo precedente.

Verdade é que, ultimamente, em vista das críticas ao efeito nocivo resultante aos próprios acionistas da empresa que na verdade pagam as multas, os Estados Unidos vêm cada vez mais suavizando seu rigor na aplicação da FCPA a pessoas jurídicas, reconhecendo os prejuízos aos trabalhadores e aos acionistas das entidades punidas e abraçando cada vez mais a tese de que os indivíduos infratores devem ser punidos. Além disso, há ainda a atenuante de que, se uma determinada nação aplica sua própria lei a uma empresa nacional, essa ré merece ter sua condição reavaliada nos Estados Unidos pela punição em seu próprio país.

Entretanto, a mudança do rigor na aplicação da FCPA não deixará de ser traumática à imagem das autoridades dos EUA.

As empreiteiras da Lava  Jato
Pode-se questionar essa espinhosa questão com relação à Petrobras, ainda mais por sua piegas defesa como “vítima” da situação. Entretanto, não há dúvidas que não se safarão de punição as empreiteiras brasileiras, seus acionistas e executivos sujeitos à FCPA.

Enfatizando, a FCPA prevê pena caso a empresa dê “algo de valor” a um agente público para obter algum benefício. Pelas delações premiadas assistidas no Brasil, esta conduta era praticada notoriamente pelas empreiteiras, e não pela estatal.

Neste ponto, permito-me uma interjeição. Em minha prática profissional, deparo-me inúmeras vezes com a surpresa demonstrada por empresas brasileiras ao serem informadas por mim que estão sujeitas à jurisdição da FCPA.

Mesmo na sua ignorância, as suntuosas empreiteiras brasileiras podem também estar sujeitas à jurisdição da FCPA, ainda que não tenham agido diretamente nos EUA. Assim, parceiros da Petrobras, empresas contratadas e outras organizações relacionadas a ela devem considerar essa real possibilidade para não serem pegas de surpresa.

Qualquer empresa estrangeira, mesmo não atuando nos EUA, poderá ser alcançada pelas pesadas punições estabelecidas pela lei americana, porque os Estados Unidos interpretam a FCPA de forma bastante abrangente. Assim, por exemplo, se a empresa contraiu um empréstimo em solo americano, se alguma transação financeira foi intermediada por instituições bancárias americanas ou um dos envolvidos é cidadão estadunidense, as autoridades americanas podem decidir avocar o caso a si.

Isso foi exatamente o que ocorreu com a petroleira francesa Total, investigada por ter pagado milhões em propinas a um funcionário público no Irã. Não havia praticamente nada que ligasse o caso aos EUA, mas um único pagamento, de US$ 500 mil, foi efetuado a partir de uma conta bancária nos Estados Unidos. Resultado: a Total foi multada em US$ 398 milhões sob a FCPA. A empresa até poderia ter enfrentado as autoridades americanas em um processo judicial alegando falta de legitimidade, mas preferiu selar o acordo porque, se perdesse, o custo seria bem mais alto do que a multa.

Pelo mesmo raciocínio poderá seguir, por exemplo, a Odebrecht EUA, uma subsidiária do grupo Odebrecht com sede em Coral Gables, Flórida, que tem trabalhado em um fluxo constante de projetos públicos em todo o sul da Flórida, incluindo a American Airlines Arena, os terminais Norte e Sul no Aeroporto Internacional de Miami, para citar somente uns poucos exemplos.

Os indivíduos da Lava Jato
A vasta maioria dos casos punidos pela FCPA envolve somente as empresas, sendo as acusações a indivíduos menos frequentes. Contudo, essa posição está mudando peremptoriamente.

Talvez pelas críticas acima ventiladas dos prejuízos aos acionistas e empregados, ou até mesmo, ambiciosamente, pelo exemplo irrepreensível do herói nacional Juiz Sérgio Moro, os EUA mudaram de posição drasticamente. Em setembro de 2015, o DOJ comunicou essa decisão emitindo um parecer alcunhado de “Memorando Yates” (em inglês “Individual Accountability for Corporate Wrondoing”), no qual as autoridades americanas expõem as medidas que serão tomadas para ampliação da aplicação das normas anticorrupção contra indivíduos.

Contra indivíduos, a FCPA assusta executivos de todo o mundo por possuir um alcance extraterritorial muito abrangente. Estão sujeitos à FCPA (i) os profissionais que atuam em empresas de origem norte-americana ou em empresas que exerçam atividade em território norte-americano e (ii) os indivíduos que, de alguma forma, passam pelos Estados Unidos, utilizando contas de e-mail, transações bancárias ou transferências financeiras em dólar.

Já no passado, as autoridades americanas emitiram sentenças bastante severas como, por exemplo, em 2011, a de Joel Esquenazi, ex-presidente da Terra Telecommunications que foi condenado a 15 anos de prisão por seu papel no caso de suborno de telecomunicações no Haiti. Foi a pena mais longa até então imposta no âmbito da FCPA.

Também há vários casos de estrangeiros condenados à prisão nos EUA. Um deles foi contra o advogado britânico Jack Tesler sentenciado em 2012 a quase dois anos por seu envolvimento no pagamento de suborno pela Kellogg, Brown & Root (KBR) para obter contratos na Nigéria. Tesler também foi obrigado a devolver US$ 149 milhões que mantinha em várias contas na Suíça e em Israel.

Outro caso exemplar é a condenação do executivo francês Christian Sapsizian que trabalhava na empresa francesa Alcatel CIT e pagou propina superior a US$ 2,5 milhões a um funcionário da empresa estatal de telecomunicações da Costa Rica para a obtenção de contratos. Apesar de não serem norte-americanos os indivíduos envolvidos e a empresa em questão, a Alcatel CIT possuía ADRs negociadas na Bolsa de Nova York e Sapsizian utilizou contas de bancos americanos para o pagamento do suborno. O executivo foi condenado a 30 meses de prisão.

Vale lembrar que, além da pena de prisão, os executivos podem ainda ser condenados ao pagamento de multas e restituição de valores. No famoso e emblemático caso do executivo Garth Peterson, esse ex-diretor geral do Morgan Stanley foi condenado pelo pagamento de US$ 1,8 milhão a um funcionário público chinês. A condenação incluiu nove meses de prisão, multa de US$ 250 mil, perda de participações mobiliárias e proibição de trabalhar em qualquer instituição financeira regulada pela SEC.

Os exemplos mencionados acima são apenas alguns dos casos de aplicação da FCPA. Muitas empresas brasileiras e seus profissionais não imaginam que podem ser sujeitos às penalidades da FCPA. Vale lembrar que as autoridades americanas muitas vezes investigam indivíduos sem aviso prévio e não é incomum aos executivos desembarcar em território norte-americano e serem presos no aeroporto sem saberem que estavam sendo investigados por corrupção pelas autoridades norte-americanas.

Portanto, há de se atentar que, no atual cenário brasileiro, muitos executivos demonstram interesse na celebração de acordos com as autoridades brasileiras, visando diminuir suas penas, em delação premiada, para amenizar sua condenação no Brasil. Entretanto, os indivíduos que confessarem um ato de corrupção no Brasil, e que estejam sujeitos à aplicação da FCPA, devem estar cientes de que poderão responder também por seus atos perante as autoridades norte-americanas, sendo a sua própria confissão no Brasil utilizada contra eles.

Acordos de conduta
Para evitar processos nos Estados Unidos, é uma unanimidade que as empresas investigadas pelas autoridades americanas preferem negociar com essas autoridades a se sujeitarem a processos judiciais em solo americano. Não se tem notícia de qualquer aventureiro nesse sentido, porque a discussão nas cortes americanas traria grande prejuízo à sua reputação e desgaste de imagem junto ao público com impacto no valor de seus títulos mobiliários. As empresas preferem fazer acordos também para evitar os absurdos custos do contencioso nos EUA.

Além disso, perder nos tribunais americanos significaria ver-se impedida de vender ações nos EUA, ter seus executivos banidos do mercado e receber multas e sanções financeiras muito maiores do que a organização seria capaz de suportar. Litigar nesses casos pode custar à empresa a própria sobrevivência.

Da mesma forma, as próprias autoridades americanas preferem os ajustes de conduta temporários que postergam o processo judicial, mediante certas condições. De fato, nos últimos dez anos as autoridades norte-americanas promoveram mais de 300 casos de processos sob a FCPA através desses ajustes negociados especialmente entre a empresa e o DOJ. Na esfera da SEC, as acusações sob a FCPA também tipicamente se resolvem através de um acordo civil ou de uma medida administrativa. Esses acordos, diferentemente dos propostos acordos de leniência no Brasil, postergam ou suspendem um processo de execução, denominando-se respectivamente como DPA (Deferred Prosecution Agreement) e NPA (Non-Prosecution Agreement), tornando-se uma ferramenta fundamental das autoridades norte-americanas, que extraem através deles milhões em multas, confiscos e outras sanções às empresas investigadas. Ao final do prazo do acordo, normalmente entre dois e quatro anos, as acusações criminais são descartadas e a empresa deixa de ser processada.

Além de desembolsar alguns milhões de dólares para o DOJ e SEC nesses acordos, as corporações devem prometer não recair no erro, desenvolver uma política anticorrupção interna com programas de compliance e tomar medidas corretivas como demitir funcionários envolvidos em operações de suborno para desestimular reincidências.

Não se sabe ao certo como andam as negociações da Petrobras com as autoridades norte-americanas, embora sabidamente a empresa e os promotores brasileiros estejam cooperando com as investigações da SEC e o DOJ.

Além dessa cooperação, a Petrobras já tomou medidas importantes, contratando Ellen Gracie Northfleet, ex-ministra chefe do Supremo Tribunal Federal e Andreas Pohlmann, ex-diretor de compliance da Siemens, para aumentar seu controle interno e a gestão de fornecedores.

Ademais, a Petrobras incrementou seu programa de compliance implementando o processo de due diligence de integridade para aumentar a segurança nas contratações de bens e serviços e mitigar riscos em relação às práticas de fraude e corrupção. Além disso, limitou as decisões individuais em todos os níveis da companhia promovendo decisões colegiadas e contratou uma ouvidoria externa independente especializada neste serviço.

Ações contra a Petrobras nos Estados Unidos
Nada disso, entretanto, estanca as ações movidas por investidores detentores de ADRs da Petrobras nos Estados Unidos que, desde o final de 2014, seguem em frente ao ritmo americano, bem diferente do nosso aqui no Brasil.

Como se sabe, nos Estados Unidos, os acionistas prejudicados têm historicamente obtido indenizações milionárias em ações judiciais por prejuízos e perdas em seus investimentos. Essas ações podem ser propostas por qualquer investidor que se sinta lesado pela companhia emissora, excetuando-se os acionistas brasileiros, pois a justiça dos EUA decidiu que os brasileiros devem acionar a justiça do Brasil, restringindo a ação coletiva (class action) nos EUA a acionistas estrangeiros.

Qualquer pessoa que tenha ADRs da companhia pode propor uma ação contra a Petrobras para recuperar os prejuízos sofridos. Para vencer o processo, os autores terão de provar que os esquemas de corrupção eram conhecidos pelos dirigentes da companhia e que a perda dos acionistas foi consequência direta do escândalo que denegriu a empresa.

O escritório de advocacia norte-americano Wolf Popper LLP entrou com uma ação coletiva contra a Petrobras em Nova York em nome de todos os investidores que compraram ADRs da companhia entre maio de 2010 e novembro de 2014.

Essa ação argumenta que a estatal brasileira omitiu informações e é responsável por perdas bilionárias. De fato, é inegável que a hoje praticamente falida Petrobras era, em 2010, avaliada em US$ 310 bilhões, sendo a 5a empresa mais valiosa do mundo.

Constam da ação as revelações da Operação Lava Jato de pagamento de propinas milionárias a políticos poderosos e alegações de que a empresa enganou investidores, apresentando afirmações inverídicas, bem como informações e declarações falsas em documentos oficiais.

Além disso, alega-se que a companhia inflou o valor de contratos para pagar propinas, mascarando também seus ativos, equipamentos e bens no balanço financeiro, em decorrência do superfaturamento de contratos.

Consequentemente, os valores do balanço e dos ADRs foram igualmente inflados. Contudo, na verdade, as conhecidas class actions almejam primordialmente os fabulosos acordos pelos quais as empresas efetuam o ressarcimento aos acionistas de seus prejuízos pagando multas que visam dar uma lição à empresa, sendo proporcionais ao tamanho da ré. No caso de corporações gigantes, como a Petrobras, estima-se que alcançarão milhões de dólares.

Além da class action, 28 investidores resolveram entrar com ações individuais contra a Petrobras, número que surpreendeu até mesmo o próprio juiz que cuida do caso, Jed Rakoff, que conduz o processo na Corte Distrital de Nova York, de acordo com um comentário dele em um documento do processo. Rakoff resolveu fazer um mesmo julgamento para as ações coletivas e as individuais.

Assim, nas ações individuais movidas contra a Petrobras, em pelo menos uma delas, mais de uma dúzia de executivos da petroleira, inclusive os ex-presidentes Maria das Graças Foster e José Sérgio Gabrielli, foram nomeados como réus.

A Justiça dos EUA aceitou os pleitos dos acionistas que exigem compensações pela fraude cometida na estatal brasileira durante os últimos anos. Estima-se que o valor do provável acordo não será inferior aos 20% do pleito. A indenização exigida deverá custar à Petrobras por volta de US$ 98 bilhões, cerca de R$ 350 bilhões, segundo estimativas de advogados próximos ao processo.

Para se ter uma ideia do desenvolvimento dessas ações, em caso semelhante contra a emblemática companhia elétrica Enron mais de dez anos atrás, foi fixado um acordo de US$ 7,2 bilhões. Já no episódio da companhia telefônica WorldCom na primeira metade dos anos 2000, em que a empresa e seus executivos foram acusados de fraudar balanços, o valor total da ação chegou a US$ 6,2 bilhões.
Nas ações judiciais contra a Petrobras, os advogados dos investidores têm jocosamente desafiado a ré Petrobras, salientando que a ampla fraude aconteceu por, possivelmente, duas décadas, e a defesa pretende que a corte e o público acreditem na tese de que ninguém na administração da companhia sabia das falcatruas.

Conclusão
Como dito, não há como se isentar de punição a nossa Petrobras, fugindo da implacável ira das autoridades norte-americanas contra corruptos de qualquer ordem. Não é crível que a empresa, suas parceiras empreiteiras e vários indivíduos se safarão de punições nos Estados Unidos.

Além das multas, as autoridades norte-americanas exigirão – no mínimo – a criação de uma área de fiscalização e governança nas empresas processadas. As melhores práticas de compliance pressupõem um manual sobre o que fazer para evitar reincidências, com uma lista ampla de iniciativas e controles que devem ser adotados para reduzir as vulnerabilidades sobre as quais viceja a corrupção.

Embora seja necessário aparelhar-se para evitar novos crimes, reformando-se os processos empresariais de controle, de forma a identificar mais rapidamente os desvios e desenvolver mecanismos para coibi-los, minha opinião é que as empresas devem punir exemplarmente seus infratores. Nos Estados Unidos, a iniciativa de se meter em negócios escusos raramente parte do topo da organização, mas de funcionários menos graduados, da área de vendas ou de escritórios regionais e, portanto, a punição desses executivos e programas rígidos de compliance são grandes diferenciais. 

A lei americana claramente estabelece um padrão que reverbera em todo o ambiente corporativo, fazendo com que mal-intencionados executivos avaliem se seus ganhos em corrupção superam os riscos de ser pegos.

No Brasil, entretanto, a história da Lava Jato tem demonstrado que são os próprios líderes das famílias proprietárias das empreiteiras que pessoalmente promoveram a corrupção e o pagamento de propinas, controlando um governo que aparentemente não subsistiria sem eles.

Todavia, a prisão de certos líderes empresariais, como de executivos das maiores empreiteiras do país por pagamentos de propinas, lavagem de dinheiro e atuação em organização criminosa permanecerá vitoriosa na memória do povo brasileiro que, por exemplo, regozija-se pela condenação do dono da maior empreiteira do país, Marcelo Odebrecht, condenado a mais de 19 anos de prisão.

A sociedade deve desempenhar seu papel, mobilizando-se. No Brasil, claramente, um dos fatores que mais impulsionaram o ambiente de punição pela corrupção foi a mobilização do povo, demonstrando veementemente nas ruas sua intolerância com a repetição impune desse tipo de crime.

Assim, se vitoriosa a justiça norte-americana, vislumbra-se a punição garantida nos EUA daqueles que se sujeitam à sua jurisdição compondo-se as autoridades DOJ e SEC para impor pesadas sanções às empresas julgadas culpadas, com a suspensão da negociação de suas ações nas bolsas do país, a proibição a executivos de trabalharem no mercado de capital norte-americano e, ainda, a imposição de multas individuais aos administradores.

E aos indivíduos: cadeia! Nada mais merecido – e que sirva de lição!

http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/petrobras-empreiteiras-e-executivos-a-punicao-garantida-nos-estados-unidos/

c/ed.
s/at.

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