2014/11/16

Vale a leitura

A internet em 100 anos: previsões para o futuro da rede

Nós aqui do TecMundo decidimos que seria interessante como um exercício para imaginação, tanto da nossa quanto dos nossos leitores, pensar em como será o futuro da internet, daqui a 100 anos. A rede foi reconhecidamente a invenção mais importante das últimas décadas. Em 25 anos de uso comercial, ela mudou radicalmente a forma como o mundo funciona e tem se tornado cada vez mais integral na vida de todos nós.
Este artigo não tem a pretensão de ser um mapa para o futuro, muito longe disso. Seremos os primeiros a reconhecer que a internet em si daqui a 100 anos provavelmente será substituída por um outro conceito de rede mais eficiente, invisível e integrado. Apesar disso, é sempre interessante pensar acerca do futuro e das possibilidades que ele nos traz.

O fantasma de Gutemberg

A historiadora Elizabeth Eisenstein, autora do livro “The printing press as an agent of change” (a imprensa como um agente de mudança), explica em sua obra que a invenção da prensa de tipos móveis só pôde demonstrar todo o seu impacto transformador pelo menos 100 anos depois que a primeira impressão foi feita por Gutemberg na pequena cidade de Mogúncia. Os próprios livros, em seu formato moderno, demorariam pelo menos 50 anos para surgir.
Tentar estimar como será a internet em 100 anos é uma tarefa similar a pedir que os cidadãos da Mogúncia, em 1474, decidissem inferir qual seria o futuro da prensa móvel? Seriam eles capazes de dizer que o invento seria utilizado para aniquilar o poder da Igreja Católica em todo Império Germânico? Que este invento daria à luz literatura do Renascimento e Reforma? A transformação na educação e a própria noção de cultura?

Para a Dra. Eisenstein, a invenção da imprensa trouxe duas revoluções muito similares ao que a internet fez hoje com o nosso mundo. Primeiro “estava a capacidade de duplicação própria da imprensa e a preservação do conhecimento”. Essa nascente “condição de permanência trouxe como resultado uma nova modalidade de mudança progressiva. Em resumo, a preservação do velho foi um requisito para que se criasse a tradição do novo.”
A internet vem fazendo essa revolução mais uma vez na sociedade, estendendo a preservação e a criação de conteúdo para uma nova camada da população, de uma forma democrática e igualitária. No entanto, continuaremos assombrados pelo fantasma de Gutemberg sem entender ainda a real extensão de um invento como a rede mundial de computadores.

Uma nova visão de Internet

Nestes primeiros anos de internet, o nosso foco tem sido a transmissão de conteúdo à distância. Ainda que este seja um aspecto extremamente importante do que é a rede, ele certamente não será seu único definidor conforme caminhamos em direção a um futuro mais conectado.
De acordo com o Dr. Astro Teller, diretor de comunicação da Google, atualmente “nós enxergamos a internet como se ela fosse um lugar para o qual nós vamos e que na verdade não é lugar nenhum. No futuro a internet deixará de ser um lugar ou uma coisa para se tornar uma infraestrutura que dá suporte a todos os aspectos da nossa vida. Cada copo que você pega, cada maçaneta que você abre saberá quem é você e vai responder de maneira apropriada. Nós vamos ver a internet praticamente como a “força” [de Star Wars], isto é, uma coisa que nos envolve e que permeia todo o nosso mundo físico, e não mais como o lugar etéreo e separado que nós visitamos atualmente. “

Outra coisa que deve ser mudada com o passar dos próximos anos é a preocupação com a inclusão de mais pessoas à internet. Existem diversos movimentos para que organizações como a ONU coloquem o acesso à rede como um direito fundamental dos seres humanos. Atingir esta meta, isto é, conectar a todos será uma revolução de proporções gigantescas. Atualmente, apenas 2 dos 7 bilhões de seres humanos se conectam diariamente à internet, e este número tem desacelerado o seu crescimento, que é atualmente apenas 9% ao ano.
A diversidade de perspectivas de todas as partes diferentes do globo, interagindo e lidando com problemas de maneira conjunta, poderá trazer ainda mais mudanças do que esperamos hoje em dia. Especialmente no campo social, já que será mais fácil compreender muitas das dificuldades que certos povos passam quando eles mesmo tiverem as condições de transmitir os seus problemas para todos.
Um dos focos mais importantes da internet é o seu funcionamento como ferramenta colaborativa. Assim como a Wikipedia é produto definitivo do que isso significa em termos de conteúdo, quando a rede for mais do que isso poderemos ver colaboração e interação em outras esferas radicalmente novas. A junção de formas diferentes de entretenimento, a construção de determinada coisa realizada por pessoas em diferentes locais do mundo, além de muitas outras inovações colaborativas.

A internet das Coisas

De acordo com o Pew Reasearch Center, 83% dos especialistas em tecnologia dos Estados Unidos acreditam que o conceito batizado de “Internet of Things” (a Internet das Coisas) se tornará uma tendência geral no nosso cotidiano até 2025. Para aqueles que desconhecem o conceito, ele implica que todos os aparelhos, objetos e sistemas estarão conectados à internet e uns aos outros no futuro.
Há dez anos, a maioria dos lares possuía apenas um aparelho com capacidade de se conectar à internet: seus computadores pessoais. Hoje, este número já se multiplicou de maneira exponencial. Um lar de uma pessoa de classe média em uma grande metrópole possui em média: um notebook, um tablet, um smartphone, uma smart TV, um media center, um video game e às vezes até outros aparelhos com conexão com a internet. Ou seja, ocorreu um aumento significativo neste quesito e a tendência é que isso se torne cada vez mais comum.

Desde wearables no nosso corpo até cafeteiras e torradeiras inteligentes, tudo deverá estar ligado na rede trocando dados e informações para tornar nossas vidas mais confortáveis. Estes dispositivos reforçam, mais uma vez, a tendência de que a internet deixará de ser um lugar e se tornará mais semelhante a uma estrutura invisível que facilita nosso cotidiano.

Entrando na casa do futuro

No futuro, diferentes utensílios e sensores estarão no nosso corpo na forma de wearables. Eles avisarão a sua casa quando, como e em que condições você está chegando. Se for um dia de muito calor, conforme você se aproxima do seu destino o sistema responsável pela refrigeração do seu apartamento vai se ativar deixando-o na sua temperatura ideal. As luzes também se ascenderão e se ajustarão às suas preferências pré-determinadas.
Se você gosta de ouvir música quando chega, o aparelho de som vai ligar e escolher as canções adequadas ao momento. Ele se baseará no seu momento atual de cansaço, nervosismo, ansiedade e outros estados psicológicos que serão medidos por um chip em alguma parte de seu corpo.

Caso você esteja com fome, a sua geladeira possui uma interface (que em 100 anos pode ser controlada pela sua cabeça, mas que em breve será uma touchscreen) que já lhe diz tudo o que tem nela. Além disso, o aparelho vai sugerir que tipos de alimentos podem ser preparados no momento, tomando como base o seu histórico alimentar, dieta e o que você comeu no almoço.
Ao se sentar no sofá e ligar um dispositivo de entretenimento, seja ele uma tela, um eBook, um holograma, um video game etc. As luzes se ajustarão mais uma vez para um padrão mais adequado a esta atividade, o som desligará e você poderá escolher rapidamente um conteúdo entre um pequeno grupo de seleções feitas especialmente para agradar aos seus gostos. Caso você não deseje nenhuma delas, poderá buscar através de um comando simples algo que combine com o seu humor atual.
A próxima revolução da internet não é somente ela se tornar uma estrutura consciente de sensores e algoritmos que permeiam tudo à sua volta, mas também apresentar a capacidade desses dados de preverem o que você quer ou do que você precisa antes mesmo de você.

Nós somos um com a rede: o transumanismo

É impossível discutir as implicações da internet no futuro sem pensarmos também em transumanismo. Este conceito, cada vez mais presente e importante para futuristas e filósofos que pensam no porvir fala sobre um momento em que nós conseguiremos usar a tecnologia para superar a condição humana básica, ou seja, não estamos falando aqui somente de implementos cibernéticos, mas também de biotecnologia, neurotecnologia e até mesmo nanotecnologia.
O termo foi criado na década de 50, mas assumiu sua forma atual através dos escritos do filósofo Max More. Para ele, "o transumanismo é a classe de filosofias que buscam nos guiar a uma condição pós-humana. Ele inclui muitos elementos do humanismo, como o respeito pela razão e pela ciência, o compromisso pelo progresso, e a valorização da existência humana (ou transumana) na vida[…], mas difere no reconhecimento e na antecipação de alterações radicais na natureza e nas possibilidades de nossas vidas, resultando de várias ciências e tecnologias."

Em termos objetivos, os transumanistas visam o aumento da inteligência e das capacidades humanas além do prolongamento indefinido do nosso tempo de vida através das tecnologias para eliminação do envelhecimento, visando a imortalidade. É impossível não pensar as implicações que a evolução da internet vai ter nestes avanços quando pensamos que dentro de poucos anos estaremos sendo implementados por acessórios capazes de se conectar a ela.
De um ponto de vista neural, é muito possível que em 100 anos sejamos capazes não apenas de receber o conteúdo da rede em nossas cabeças como também de ampliar nossas faculdades mentais a partir desta integração. É claro que existem riscos inerentes de conectar o nosso cérebro a uma rede tão aberta quanto a internet, mas é provável que novas formas de encriptação e segurança apareçam até lá.
Mesmo se descartarmos as pretensões mais fantasiosas do transumanismo, ainda é certo que nosso organismo como um todo será o tempo todo monitorado por mecanismos ligados à rede. Hoje em dia, já existem empresas dedicadas a criar wearables que medem sua condição de saúde a cada instante, bem como seu nível de stress e esta tendência realmente deve crescer dentro dos próximos anos.

Além disso, existem as diferentes próteses corporais que se tornam a cada dia mais úteis e funcionais e que, no futuro, certamente também terão acesso à internet. O sucesso destas próteses provavelmente vai fazer que mesmo pessoas sem qualquer deficiência física optem por usá-las para aprimorar determinadas características do seu corpo, superando assim sua condição humana.

A internet e a revolução política

No campo social e político, o crescimento veloz da internet levou a nossa sociedade para um novo patamar, no qual a globalização assume um caráter comunicacional-informacional. Conforme o acesso à rede vem aumentando, a criação de comunidades virtuais, bem como das redes sociais, também cresce, resultando também no crescimento dos “movimentos sociais instantâneos”, no qual podemos colocar os protestos.
Recentemente, em diferentes países, incluindo no Brasil, uma massa insatisfeita fez uso das novas tecnologias e das mídias sociais para convocar o povo às ruas e juntos protestarem contra o governo. O Twitter era usado para marcar os encontros pelos ativistas e para a disseminação de informações sobre o protesto. O Facebook era utilizado para debates, divulgação de locais e hora dos protestos, fotos etc. O YouTube servia como ferramenta de armazenamento de vídeos e para divulgar os acontecimentos locais para o mundo.
No caso das ditaduras norte-africanas, a resposta dos governos que estavam sendo combatidos não poderia ser mais clara. Tanto no Egito quanto na Líbia, eles decidiram cortar o acesso à internet, evitando assim que o povo se organizasse. Esta atitude demonstra o quão importante foi a existência da web e das redes sociais como uma ferramenta de planejamento naquela região. Tentar parar o processo revolucionário ao bloquear a internet em um país inteiro ilustra a força que esta ferramenta deu aos movimentos democráticos da região.

No futuro, se a internet permanecer um espaço livre e sem a interferência direta de governos e empresas no que concerne o conteúdo da rede, estas relações devem apenas se intensificar. Ela já regula a vida social de praticamente todos os seus usuários mais jovens, portanto é provável que nossas vidas e ações políticas também passem a ser associadas à rede, que atualmente é reconhecida pelos políticos contemporâneos como um dos campos de batalha mais importantes de uma campanha.
A internet também tem a capacidade de recriar, pela primeira vez desde a queda de Atenas, uma democracia verdadeiramente participativa para os seus cidadãos. Se mecanismos de segurança eficientes forem criados, será possível estender plebiscitos, votos e outras formas de participação política à toda população com o uso da ferramenta. Certamente esta é uma questão que deverá ser alcançada com muita luta no campo político, já que dificilmente um governo vai abrir mão de sua forma de controle atual para um sistema mais democrático e transparente.
A própria transparência é outra coisa que pode ser alcançada com a internet, que tem a capacidade de criar sites com os orçamentos públicos atualizados em tempo real, uma formidável ferramenta de combate à corrupção. O fim quase inevitável da privacidade também pode significar um momento de mais honestidade no campo político, pelo menos em relação ao destino de impostos e outras verbas semelhantes, já que é difícil prever as fontes externas de propina. A verdade é que a tecnologia atual já daria conta de resolver este problema, o que falta é reinvindicação e vontade da parte do governo.

O futuro também pode trazer coisas ruins

Não é apenas de previsões positivas que o futuro é feito, e nem todo desenvolvimento tecnológico serve inerentemente a bons propósitos. Para John Markoff, o especialista de tecnologia do New York Times, no futuro você poderá atender o telefone achando que é sua mãe ou um amigo seu do outro lado da linha quando é um malware inteligente feito para coletar dados pessoais ou lhe fazer transferir dinheiro para um lugar escuso.
Os problemas não se resumem a novos tipos de vírus e hacks que podem ser desenvolvidos, mas também a quem detém o controle da rede. Para a internet funcionar bem, ela precisa se manter em uma balança muito difícil: os governos não podem controlá-la e devem manter leis claras que impeçam as empresas de abusar em seus serviços como provedoras. Esta é a muito debatida questão da neutralidade da rede, que vem sendo ameaçada por diversas empresas interessadas em lucrar mais com a ferramenta.

Conclusões

Não é possível chegar a conclusões definitivas sobre como será a rede em 100 anos. No entanto, muitas das hipóteses levantadas ao longo deste artigo parecem ser caminhos “seguros” que poderão se tornar realidade dentro de algum tempo. Não importa quão bons em prever o futuro nós achemos que somos, o “fantasma de Gutemberg” estará sempre aí para nos provar errados.

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