Uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (29) em São Paulo rompe com o senso comum ao afirmar que a sobrecarga de trabalho e a falta de investimento não são as principais chagas da Justiça brasileira. Pelas informações presentes no levantamento Justiça em Números, produzido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a má gestão dos recursos nos tribunais, feita de forma centralizada e pouco participativa, é a principal culpada pela morosidade no andamento dos processos e pelo falho atendimento à população.
As afirmações são baseadas em estudos de dados coletados entre 2004 e 2008 no próprio arquivo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado para acompanhar e fiscalizar o trabalho do Judiciário. Foram cruzadas inúmeras variáveis para se tentar encontrar o nó que faz o setor ser tão mal avaliado pela população. Fatores como Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - número que mescla longevidade, renda e escolaridade -, carga de trabalho dos magistrados - em quantidade de ações analisadas -, orçamento dos tribunais e também a quantidade de juízes em serviço foram confrontadas com as taxas de morosidade da Justiça em cada uma das unidades da Federação.
Nessa tabulação, a equipe responsável pelo levantamento chegou à conclusões curiosas. Não necessariamente a Justiça nas regiões pobres é pior do que em zonas mais abastadas. Tribunais com menor número de processos nem sempre são mais rápidos. Ter mais dinheiro em caixa não significa melhor e mais eficiente atendimento. E uma equipe robusta, repleta de magistrados, não garante um melhor desempenho das varas. "Nenhum dos fatores internos explica a taxa de congestionamento, o que nos faz ter a certeza de que a administração e a gestão são as principais culpadas pela situação atual", explica a professora Maria Tereza Sadek, responsável pela análise e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ela, o Judiciário ainda funciona como há 100 anos. "Para se chegar ao topo da hierarquia, é praticamente uma fila por idade. Ninguém sabe se quem vai entrar no poder tem vontade e condições de ser um bom gestor", argumenta a especialista. Com a falta de profissionalismo no planejamento dos tribunais, diz Maria Tereza, as verbas são aplicadas sem critérios corretos, fazendo com que os recursos sejam usados com distorções, sem levar em consideração a real necessidade do trabalho. "Há um alto número de cargos comissionados e um gasto excessivo com pessoal", exemplifica Mozart Valadares, presidente da AMB. Segundo ele, é comum encontrar pelo país investimentos altos na sede do tribunal, sem que haja um cuidado com as varas, braços do órgão que estão em maior contato com o público.
A Associação de Magistrados Brasileiros concorda que a falta de capacitação dos juízes agrava a situação. Pesquisas internas da instituição mostram que 99% dos magistrados desconhecem a verba destinada à sua unidade. "Historicamente, as decisões são burocráticas, vindas de quem normalmente não sabe administrar a máquina pública. O juiz sempre esteve preocupado apenas com a execução da lei", explica o juiz Gervásio dos Santos, responsável pela campanha que a AMB, a partir de agora, está organizando para fortalecer a formação técnica para os magistrados. Entre as medidas que serão tomadas, está o envio de uma sugestão para que o Ministério da Educação (MEC), via Conselho Nacional de Educação (CNE), inclua a disciplina "gestão pública" no currículo dos cursos de Direito. "Só iremos melhorar o funcionamento do Judiciário com uma profissionalização do planejamento e administração dos tribunais", diz Gervásio.
Arthur Guimarães
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário