VOAR DE VERDADE - Guedes: o ministro rege uma série de mudanças que provocarão impactos pelas próximas décadas (Daniel Marenco/Agência O Globo)
Para além da Nova
Previdência e do FGTS, governo vai lançar mudanças estruturais para tirar o
Brasil do atraso
Economia
Por Machado da Costa, Victor Irajá, Thiago Bronzatto jul
2019, 06h50
26 jul 2019, 09h16 -
Guedes cedeu, todavia segue em seu plano firme de deitar as
bases estruturantes de um ambiente de negócios mais livre e próspero. As ações
que se desenvolverão ao longo deste ano e do próximo passaram a ser tratadas
como prioridade. Já foi anunciado o Novo Mercado do Gás, para quebrar o
monopólio da Petrobras no setor, o que deve baratear o custo da energia. Na
próxima semana, serão revistas as resoluções normativas que regem as regras de
segurança e saúde no trabalho — uma das pautas prioritárias da indústria para
baratear a produção. Para facilitar a vida do empresário, já caminham no
Congresso a Medida Provisória da Liberdade Econômica e uma proposta de reforma
tributária que promete impulsionar a economia em 0,5% ao ano e ainda será alvo
de adendos do governo (leia mais). No Executivo, andam a passos largos os
trabalhos de digitalização e automatização do serviço público, que prometem cortar custos enquanto aumentam a produtividade do
Estado.
Entre as medidas de médio prazo, que poderão ser sentidas
ainda no próprio governo de Jair Bolsonaro — principalmente no caso de ele se
reeleger em 2022 —, faltam avançar as colossais privatizações e novas
negociações de acordos comerciais. Na terça 23, numa sinalização positiva para
o ambiente de negócios, foi fechada a venda, por 9,6 bilhões de reais, de 30%
da BR Distribuidora pela Petrobras — que assim perdeu o controle acionário. O
valor é menos de 1% do total de dinheiro privado que a administração Bolsonaro
quer angariar com a venda de empresas, bens e concessões públicas. Um estudo
elaborado pelo Bank of America e entregue ao Executivo brasileiro revela o mapa
das oportunidades de negócios nas privatizações. Segundo o banco, o Estado tem
um total de participações de difícil venda no valor de 734,3 bilhões de reais e
de participações mais fáceis de ser vendidas no montante de 389,7 bilhões de
reais. Nessa frente, o governo espera levantar até 100 bilhões de reais ainda
neste ano — a prioridade é a venda dos Correios, Eletrobras, Serpro, Dataprev e
Casa da Moeda. Até 2022, mais de 390 bilhões em vendas de estatais estão
previstos. Além da venda de ativos, concessões de serviços como ferrovias,
estradas e aeroportos devem trazer mais 115 bilhões ao caixa do governo.
Somando-se a esses valores os desinvestimentos do BNDES (que tem participação
em empresas como Vale, JBS e Bombril), a devolução de recursos por bancos
públicos e a venda de imóveis da União, um total de 990 bilhões de reais —
quase a economia inteira do Chile — faz brilhar os olhos de Paulo Guedes. A
ideia é despejar a maior parte desse dinheiro na dívida do país.
De acordo com o economista Alexandre Schwartsman, todas
essas providências não serão suficientes para destravar a economia em 2019,
entretanto são capazes de afastar o risco de uma explosão nas contas públicas.
“Este ano está perdido, mas começamos a dar passos importantes com as reformas,
o que atrasa, por enquanto, o risco de uma crise fiscal”, explica.
A abertura comercial, uma promessa de campanha de Bolsonaro,
também segue a toda. Depois de liderar as tratativas pela assinatura do acordo
que extingue tarifas comerciais nas transações entre a União Europeia e o
Mercosul, a equipe econômica mira agora a maior potência do planeta. Na semana que
vem, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, virá ao Brasil
para discutir a criação de um ambiente livre de tarifas entre o bloco
sul-americano e o país de Trump. O governo brasileiro espera concluir as
negociações a partir de novembro, depois da eleição argentina. “Será um acordo
interessante para o produtor porque ele terá acesso às tecnologias americanas e
poderá também ampliar suas exportações”, destaca o secretário de Comércio
Exterior, Marcos Troyjo.
Um ponto crucial no Plano Guedes é a redução das taxas
bancárias. Desde a saída de Dilma, a Selic caiu de 14,25% para 6,5% ao ano — o
menor índice da história. As taxas cobradas ao consumidor, contudo, não
seguiram o mesmo ritmo. Os juros do cartão de crédito, por exemplo, fecharam 2016
em 484% ao ano e estão, agora, em 300%. Além da pouca concorrência, a falta de
fundamentos mais sólidos para a atividade bancária impede uma queda mais rápida
dos juros impostos aos correntistas. São dois os fatores que merecem ser
atacados com agilidade, na visão de Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. O
primeiro é a revisão de legislação que rege as garantias bancárias. E o segundo
é o fortalecimento do mercado de renda fixa. Afora isso, os operadores do
mercado financeiro precisam confiar que a Selic ficará em patamares baixos por
um período maior. “Numa situação de aperto do mercado consumidor, desemprego e
máquinas ociosas, podem-se manter os juros baixos por tempo prolongado. A Selic
poderia cair até 5% neste ano”, acredita ele. Apesar de não ter gestão sobre o
Banco Central, Guedes acompanha de perto a agenda que está sendo tocada pela
autoridade monetária. Junto de Roberto Campos Neto, presidente do BC, o governo
estuda anunciar dezessete medidas de impacto nos próximos três meses. “A
retomada da economia passa pelo fortalecimento do mercado de capitais, por
isso, em conjunto com o Banco Central e outros órgãos, estamos para concluir
essa agenda”, diz Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda. O governo quer dar
mais transparência, melhores condições de preços no mercado e educação para que
as pessoas saibam como alocar os recursos. Em um cenário global de quedas
acentuadas dos juros, o momento é ideal para encampar a bandeira no país.
Todas as medidas do BC, que podem adicionar 1,2% ao
crescimento do PIB em quatro anos, visam a uma reformulação do sistema
financeiro a longo prazo, assim como duas ações que o Ministério da Economia
vai protagonizar a partir de 2020. Está sendo gestada na Secretaria de Fazenda
a PEC do Pacto Federativo, para redistribuir o controle de recursos que hoje
ficam nas mãos da União. Guedes tem a convicção de que estados e municípios são
mais eficientes em alocar recursos em políticas regionais que os órgãos em
Brasília. Por último, a reforma administrativa, embrionária, promete abrir
caminho para a revisão dos planos de carreira de servidores públicos e para o
fim da estabilidade. Evidentemente, essas medidas precisam passar pelo
Congresso, mas as lideranças das duas Casas (em especial o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia) já deram sinais de que abraçam as causas a favor dos
brasileiros. “É muito bom escutar do próprio Parlamento que há um interesse
mútuo para avançar na questão da reforma administrativa”, observa Mansueto
Almeida, secretário do Tesouro Nacional.
Se Guedes conseguir uma performance perfeita e conquistar
vitórias com essa série de propostas, de fato o país poderá se livrar do peso
do Estado na economia. A dificuldade será o ministro desvencilhar-se dos grupos
de interesse e das falas desastradas de Jair Bolsonaro, como bem resume o
economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real: “O ambiente político
horrível em que vivemos desde o impeachment traz enorme indefinição e
incerteza. Enquanto persistir esse clima, ninguém vai investir”. O Plano Guedes
pode mudar isso. Se o fizer, o “Posto Ipiranga”, como o ministro foi apelidado
por Bolsonaro logo no início da campanha, terá ajudado a promover uma, por
assim dizer, segunda independência do Brasil — e, desta vez, calcada em um
desenvolvimento sustentado.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645
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