Plenário da Câmara discute pacote de medidas anticorrupção


Quem são nossos deputados? Se alguém ainda tinha alguma dúvida, esta madrugada não deixou nenhuma. Não se contiveram nem diante da tragédia que comoveu o país, a queda do avião com o time do Chapecoense que matou 71 pessoas na Colômbia. Nem ligaram para a violência que tomou conta ontem de Brasília, com baderna e coqueteis molotov contra a a PEC do teto de gastos, votada ali do lado no Senado. Na calada da noite, nossos deputados foram lá e, sem medo nem pudor, legislaram em causa própria. O projeto das Dez Medidas contra a corrupção que aprovaram beneficia acusados de corrupção e tenta inibir investigações.

É verdade que, diante da grita das últimas semanas, eles abandonaram a ideia estapafúrdia de anistiar o crime de caixa dois eleitoral até a promulgação da lei. Mas foi só isso. Inseriram no texto aprovado ou subtraíram dele diversos trechos que acabaram por desfigurá-lo.

Ainda que várias ideias originais tenham sido aprovadas – como agravamento das penas ou a criação do crime de venda de votos –, a versão que segue para o Senado fica bem aquém da proposta original do Ministério Público e da redação do relator Ônyx Lorenzoni (DEM-RS) aprovada na Comissão Especial.

O item mais escandaloso é uma emenda do deputado Weverton Rocha (PDT-MA), aprovada por 313 votos a 132, que incluiu no texto o “crime de responsabilidade” de juízes e promotores por abuso de autoridade. Qualquer político investigado poderá, se a lei entrar em vigor, processá-los por “motivação político partidária”. Juízes não poderão nem expressar sua opinião sobre casos em andamento em público ou na imprensa.

Uma outra emenda, do deputado Carlos Marun (PMDB-RS), aprovada por 285 votos a 72, estabelece que juízes e promotores poderão também ser processados se violarem “prerrogativas do advogado”. No conjunto, as duas emendas criam uma situação em que integrantes do Judiciário e do Ministério Público se sentirão inibidos de investigar políticos corruptos.

Vários trechos retirados do texto também beneficiam corruptos. Foram excluídas as regras segundo a qual réus perderiam domínio sobre bens e propriedades resultantes da corrupção. Foi retirado o teste de integridade, que permitiria criar situações fictícias para avaliar a honestidade dos funcionários públicos. Também foi retirada a proposta de recompensa material a denunciantes da corrupção, com parte do valor recuperado.

As regras de cumprimento das penas continuarão, de acordo com o texto, as mesmas que estão em vigor e deixarão de ser mais rígidas, como previa o projeto original. Não mudará também a data do início de contagem do prazo de prescrição dos crimes, beneficiando os réus – ela continua a ser retroativa ao oferecimento da denúncia, não ao seu recebimento pelo juiz.

Ainda foram excluídos do texto a criação do crime de enriquecimento ilícito, as regras que permitiriam ao Ministério Público negociar acordos de leniência e as que permitiam acordos com a confissão do crime e reparação do dano até a promulgação da sentença.

Não se espere muito espírito cívico também dos senadores que votarão o texto, envolvidos em dezenas de denúncias e investigações. Todos os parlamentares temem o avanço da Operação Lava Jato. Não é uma surpresa que apoiem medidas que tentem esvaziá-la. Como legisladores, eles têm mandato para isso e, infelizmente, as decisões do Congresso terão de ser respeitadas.

Mas há também uma enorme ilusão a respeito do que os parlamentares podem fazer em causa própria. A Lava Jato teve sucesso até hoje com base em todas as leis já existentes. A maioria delas continuará em vigor. A tentativa de constranger juízes e promotores não significa que eles se sentirão necessariamente constrangidos. Será difícil comprovar abusos ou “motivação partidária” nos processos.

A magadelação da Odebrecht vem aí. Os nobres deputados e senadores podem ficar tranquilos: ela é supra-partidária. O país inteiro ficará sabendo tudo por meio da imprensa. Em vez de preocupar-se tanto em legislar em causa própria, eles deveriam é prestar atenção às ruas, tomadas ontem por um clima de conflagração e violência. Deputados e senadores são apenas representantes do povo. E o povo não deixará passar em branco o que fizerem.

P.S. (9h20): Os links ao longo do texto encaminham para as listas de votação correspondentes a cada item específico no site da Câmara dos Deputados. É o registro oficial, com nomes de quem votou contra ou a favor.

http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/deputados-esvaziam-dez-medidas.html