AOS DOMINGOS
Não se repara
na proximidade da morte. Não entendam como distância, como tempo, mas como algo
que pode simplesmente surgir. E nos parece sempre tudo tão estranho, visto que não
levamos em conta, não pensamos e não pretendemos pensar que apesar da pequena
distância, há um fosso abissal de vontade.
Não se trata de
vivermos espreitados. É o fim do novelo; a última frase do livro; o último gole
do café que nos alimenta a alma e o corpo. Sabemos lá estar, podemos ter a
sensação de que iremos encontrar esses pontos, mas no fundo não o queremos. Ou
pretendemos a ele chegar do modo e na hora em que se quer. Um dia qualquer.
Apesar da plena
consciência, não se concebe o fato, em si, de um simples fato gerar uma
consequência definitiva, concreta – chega-se à festa surpresa antes anunciada.
Isso indigna. O ser humano na maior parte das vezes quer ter controle sobre os
seus atos, e se esquece (não pensa, não se dá ao luxo de pretender pensar) em
que na morte não se guia, não se planeja, não há tempo para se planejar.
Se não há
entendimento, combinação, tem-se o claro sentimento de perda. Mas não do
extravio. O de termos sido ludibriados, desconsiderados, desrespeitados, pois
que a nós nada é informado, perguntado. O ser humano é assim mesmo. Quer ser autor
e protagonista de sua vida, e espera inutilmente poder escrever os últimos capítulos
de sua história. Raros talvez tenham tal chance – não aqueles que desistem de
si, mas os que se envolverem com a mesma inesperada e aleatória chama do acaso,
da bem aventurança ou do destino. Como queiram. Um dia qualquer.
Já existem no
ar as respostas anunciadas às perguntas sobrevindas. Aliás, nem sempre com
surpresa. Como assim? Assim mesmo amigos.
Não é lúgrube,
mas real, termos a única certeza de que iremos um dia, e ao fim caminhamos
desde que abrimos os olhos. A grande diferença do entendimento é o inexplicável
sentimento do quão importante é o momento final, do quão inconsequente pode
ser, deixando obras inacabadas. No entanto, o homem não é tomado pelo instinto
sôfrego de vida, de forma arrebatadora. A existência não é um livro que se pode
começar pelo meio, ciente de que em algum momento acabaremos por a tudo
entender, do modo que o temos em mãos, o folheamos, dedicamos a ele os momentos
que nos interessam, ou que podemos.
Da mesma forma
que não é inexplicável dizer que há beleza na tristeza. É sabido, mas embora
confortador, não se busca para que não se passe pelo primeiro ato, antes do
epílogo.
Não se conhece
resultado único qualquer de mesclados naturais que nos guie efetivamente para fora
da inquietude latente. Mas ao menos é cristalino, durante a vida, que ser bom é
o melhor, simples assim – é apaziguador, no sentido mais amplo que pudermos
conceber, sempre. Um dia qualquer.
Luciano Aquino Azevedo
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