2014/09/08

Crônica


Estátua Memorial de Franz Kafka, criado pelo escultor também Checo, Jaroslav Rona, em 2003. Fica no bairro judeu, próximo à Sinagoga Espanhola. Trata-se de um lugar onde Kafka viveu, mas também muito emblemático da cidade de Praga, na fronteira entre os distritos do bairro judeu Josefov e Stare Mesto Cidade Velha, ponto de convergência de três religiões, judaica, católica e protestante. A escultura mostra um corpo vazio de um homem, apenas de casaco e calças, em cujos ombros aparece sentada a figura do escritor, e em tese quer representar a separação espiritual que ele mostra em suas obras. Feita de bronze, tem 3,75 metros e 800 quilos de peso.

Ser Kafka


Exatos 90 anos depois de sua morte, Kafka, sempre, nos parece atual. Não se trata, ao que parece, o extemporâneo pinçado quando em vez nas nuvens da história da literatura e que encontra relação com fatos ou pessoas de qualquer lugar que seja no mundo, mas a forma extraordinária como ele conseguiu captar e transmitir, especialmente, os conflitos humanos, os embaraços sociais, os emaranhados que envolvem a alma humana, seus medos, curiosidades e anseios.

Há milênios o homem vive em conflito com o meio social e particularmente com si próprio, alternando eternos questionamentos com fórmulas mágicas que mais se assemelham à necessidade de se dar resposta a um desgastante conflito, surgido na inquietude dos que buscam os fins a qualquer preço. O que seria de certa forma irônico aos olhos de justamente quem disse que “todos os erros humanos são impaciência, uma interrupção prematura de um trabalho metódico.”

A brutalidade de personagens ou as passagens extraordinárias, e aqui o adjetivo se mescla ao que podemos apontar como caráter estranho dos relatos, são assimiladas de tal modo que resta-nos pouco ou quase nenhum tempo para que sejam pontuadas por análises específicas, detalhadas. Os detalhes são o todo de Franz Kafka. Os enredos são o novelo que lentamente diminui, no desenrolar que fixa nossos olhos na linha aberta e esticada, cuja ponta inicial aguarda a sua contraposta.

Pensar no homem frente à realidade urbana, sua inserção nos meios produtivos e massacrantes é um exercício constante, no entanto mais ligado à materialidade social na atualidade. Hoje, o espírito das massas acaba por se sobrepor ao papel do homem só, não por solidão, mas por ser um ser único, caminhante nas selvas de aço e concreto. O que encanta é como foi transposta para o papel a proposta de pensar o íntimo humano nesse contexto, o reflexo da opressão, já em uma Praga no século XIX, então pertencente a um distante império austro-húngaro.

Talvez, a capacidade do escritor de pensar o homem como o protagonista da sociedade, embora dela recebendo o revés por sua atuação, e se deixando levar por seus atos e pelos reflexos das construções humanas, o tenha levado a nos apresentar tantos contagiantes embates, tanta ficção que nos leva a acreditar na realidade, e como o homem pode vir a ser, sempre, um produto dele mesmo.

Luciano Aquino Azevedo





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